No próximo dia 4 de abril, o auditório do SESI/SENAI, no bairro IBC, em Cachoeiro de Itapemirim, será palco para um workshop que contará com três renomados palestrantes especialistas em epidemias e endemias. O evento será realizado pelo o Instituto de Qualificação Técnica (IQT+).
Um dos profissionais é o biólogo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Edson Oliveira Delatorre, que realizou pós-doutorado no Laboratório de Genética Molecular de Microrganismos do Instituto Oswaldo Cruz, investigando o padrão de dispersão de importantes epidemias de arboviroses no Brasil, incluindo os vírus Zika, Chikungunya e Febre Amarela.
Atualmente, Delatorre se dedica ao estudo dos mecanismos que regem a evolução e dispersão de patógenos e é professor no Departamento de Biologia, Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde da Ufes.
Em conversa com o AQUINOTICIAS.COM, ele discorre sobre a epidemia recorde da dengue no Brasil e faz um contraponto com o novo coronavírus, que acabou de ser declarada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Confira!
AQUINOTICIAS.COM – A preocupação do momento é a respeito do novo coronavírus. Mas é de extrema importância que as pessoas continuem a se precaver contra as epidemias causadas pelo Aedes aegypti?
Edson Oliveira Delatorre – Sim. O mosquito Aedes aegypti atualmente pode transmitir três arboviroses (as doenças causadas por vírus transmitidas por insetos) urbanas no Brasil: dengue, chikungunya e Zika. Destas três, no momento, a dengue é a que chama mais atenção, pois estamos vivendo epidemias recorde desta doença nos últimos anos, e a incidência de casos de dengue nas primeiras semanas de 2020 está maior que a observada no mesmo período de 2019 e acima da média dos últimos anos. Este aumento no número de casos de dengue se deve ao fato que em 2018, um sorotipo que fazia um tempo não circulava em nosso país, o que faz que o número de indivíduos susceptíveis (capazes de contrair a doença) aumente, uma situação semelhante ao que está ocorrendo com a epidemia ocasionada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2. Esta nova epidemia, que se iniciou na China, avançou rapidamente para outros países (incluindo o Brasil) e acabou de ser declarada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde. A maior preocupação em relação a este novo vírus é a de que o aumento abrupto do número de casos da covid-19 diminua a quantidade de leitos disponíveis nas unidades de saúde rapidamente. Esse tipo de preocupação sempre ocorre quando se tem um aumento do número de casos de qualquer doença (seja ela a covid-19 ou dengue) acima da capacidade de suporte do sistema de saúde. Neste cenário, uma epidemia de dengue concomitante a epidemia do novo coronavírus seria catastrófico. A preocupação com a prevenção da dengue – que se dá principalmente através do enfrentamento do mosquito Aedes aegypti –, deveria ser tão grande quanto a prevenção do covid-19. Assim, lavar as mãos com água e sabão, cobrir o nariz e boca ao tossir e evitar aglomerações para prevenir a covid-19 é tão importante quanto continuar evitando a proliferação do mosquito, eliminando água parada de forma diária.
AN – Existe alguma nova ferramenta hoje disponível no mercado para trabalhar de forma preventiva o combate ao mosquito da dengue que seja fácil, simples e barata?
ED – A forma mais usual e efetiva para o combate ao mosquito transmissor da dengue (mas lembrando que ele também transmite chikungunya e Zika) continua sendo a eliminação dos criadouros. A conscientização e engajamento da população continua sendo a forma mais fácil, simples e barata de combate ao mosquito. Porém, medidas alternativas de controle surgem através dos incentivos a pesquisa e inovação. Uma delas foi conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz e consiste na liberação no ambiente de mosquitos contendo uma bactéria chamada wolbachia, que é comum em insetos, mas que não é naturalmente encontrada nos mosquitos. A ideia por traz da liberação destes mosquitos com a bactéria é que eles se reproduzam e criem uma nova população de mosquitos com a bactéria que seria inofensiva para os humanos, mas que não seriam capazes de transmitir os vírus durante a picada. Este método é inovador e autossustentável, porém deve complementar as demais ações de combate ao mosquito. Atualmente, esta alternativa está sendo testada em diferentes cidades do Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste e o resultado deve ser divulgado nos próximos anos.
AN – A Febre Amarela foi uma das últimas epidemias do ES em 2018, com muitos casos registrados. Em 2019 ela ainda foi encontrada em macacos, no Rio de Janeiro, em fragmentos da Mata Atlântica. Existe a possibilidade dela pode reemergir em nosso estado?
ED – Atualmente, a febre amarela é uma doença endêmica na região amazônica brasileira. Fora da região amazônica, principalmente nas últimas duas décadas, ocorreu uma expansão gradual da febre amarela em direção ao litoral do Sudeste e do Sul do Brasil, originando surtos que duraram períodos curtos de cerca de dois anos. Em 2019, em um estudo do qual fiz parte, foi possível identificar um macaco Bugio morto (em um fragmento de Mata Atlântica a menos de 2km de Rio das Ostras – na baixada litorânea do Rio de Janeiro) que foi positivo para o vírus da Febre Amarela. Ao analisar o vírus que isolamos desse animal, descobrimos que este vírus pertencia a uma linhagem viral que persistiu na mesma área de Mata Atlântica por pelo menos três anos. Como o vírus foi capaz de se manter nesta área ainda permanece uma incógnita. Isto pode estar relacionado a abundância da população de macacos (que são hospedeiros do vírus, mas não o transmitem diretamente para humanos) naquela região ou a densidade de mosquitos. Uma situação semelhante pode ocorrer no Espírito Santo, uma vez que a Mata Atlântica corresponde a aproximadamente 20% do território e a grande quantidade de chuvas que assolou nosso estado favoreceu a proliferação de mosquitos, não só na região urbana como também na região silvestre. Esse risco reforça a necessidade de manter vigilância epidemiológica contínua e uma cobertura vacinal alta. No caso da febre amarela, como a doença possui vacina, além do controle do vetor, a prevenção também pode e deve ser feita através das campanhas de vacinação.
AN – Uma espécie de parasita causador da malária em macacos foi encontrada causando a doença em humanos no Rio de Janeiro. Como está essa situação no Espírito Santo?
ED – A malária pode ser causada por diferentes parasitas do gênero Plasmodium. A evolução e severidade da doença depende do agente causador que são diferenciados através de exames laboratoriais. No Brasil, os principais causadores da malária são o Plasmodium vivax (~90% dos casos), P. falciparum (~10% dos casos), e P. malariae (~1% dos casos). Até 2017, se tinha uma suspeita de que o P. simium, que causa malária em símios, poderia causar malária também em humanos, através da picada de um tipo diferente de mosquito, o Anopheles. Como P. vivax e P. simium são muito similares quando observados ao microscópio, os pesquisadores analisaram as amostras de sangue de pacientes com malária que moravam em áreas de Mata Atlântica do Rio de Janeiro com testes de diagnósticos mais sensíveis. Utilizando estes testes, os pesquisadores encontraram o P. simium em alguns pacientes que apresentavam sintomas brandos de malária e conseguiram se recuperar através do tratamento. Uma vez que o P. simium já foi encontrado no Espírito Santo infectando macacos, a infecção de humanos é uma possibilidade. Em 2018, tivemos um surto importante de malária na região noroeste do nosso estado, com mais de 100 casos. Normalmente são notificados cerca de 50 casos de malária por ano no estado, porém somente através da vigilância epidemiológica e da realização de testes diagnósticos mais sofisticados poderemos ter uma ideia clara de este parasita está causando a doença em humanos no Espírito Santo.
AN – O que os participantes podem esperar do workshop “Epidemias e Endemias no Brasil”, da IQT+?
ED – O workshop será uma grande oportunidade de trazermos aos participantes o panorama atual das principais epidemias e endemias que acometem o Brasil, sendo um momento de troca, onde o time de especialistas de diferentes áreas poderá esclarecer as principais dúvidas. Esperamos que os espectadores do workshop possam também atuar após o evento como disseminadores de informações confiáveis a população, expandindo ainda mais o impacto e reforçando a importância deste tipo de evento em nossa região.