A presença de indígenas da denominação Guarani em uma área que está dentro dos limites do Parque Nacional (Parna) do Caparaó criou um impasse com a administração do parque, sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Os indígenas argumentam que o Caparaó é um lugar sagrado, onde o pajé poderia falar com Deus. Por isso, eles precisariam de terras na região e, inclusive, haveria um movimento por parte dos indígenas e de alguns apoiadores não-indígenas, para demarcar oficialmente uma “aldeia ou território Guarani”.
Conforme informações da direção do Parna Caparaó, os indígenas Guarani estão ocupando uma propriedade que já foi adquirida pelo Governo Federal, por intermédio do ICMBio, em 2012. A área fica dentro dos limites do Parque Nacional do Caparaó, no município de Divino de São Lourenço, numa região conhecida como ”Córrego do Veadinho”.
Os Guaranis querem ocupar a área por questões ritualísticas ligadas à sua tradição. Eles relatam que uma xamã teve uma visão que, nas montanhas do Caparaó, poderiam ter contato com o ”Deus da Montanha” que lhes indicaria onde fica a “Terra sem Males”, narrativa componente da mitologia Guarani. Também ressaltam a natureza preservada no Caparaó que estaria em melhores condições ambientais do que na terra indígena em Aracruz, no norte do Estado, onde existe um território Guarani demarcado, com aproximadamente 19 mil hectares.
Guaranis não são originários da região do Caparaó
Contudo, na visão do diretor do Parna Caparaó, Carlos Henrique Bernardes, a região do Caparaó está mais preservada, justamente, por causa da existência, desde 1961, do Parque Nacional do Caparaó e de toda a proteção garantida pelos servidores/fiscais do órgão ambiental responsável por sua gestão e defesa. “Quanto aos rituais para o ‘Deus da Montanha’, os indígenas Guarani poderiam realizá-los, todos os anos, na área aberta à visitação do Parna, bastando, para isso, solicitar autorização à gestão do Parque e respeitar as normas e restrições ambientais, como qualquer outro visitante” , coloca.

Além do impasse com a diretoria do Parna Caparaó, conforme divulgado em uma reportagem publicada em um portal de notícias, latifundiários e fazendeiros da região não querem a presença dos indígenas. No entanto, quem conhece o Caparaó sabe que não existem latifundiários e fazendeiros no local, mas sim pequenos produtores que investem, na sua quase totalidade, em lavouras de café e pousadas. Esse é um problema vivido pelos Guaranis, como eles mesmo afirmam, em Aracruz.
Além disso, os Guaranis não são originários do Caparaó, onde viveram, na verdade, os Puris-Coroados ou Aymorés/Botocudos, dos quais não há registro da presença e nem de seus descendentes há mais de 100 anos. E na criação do Parna Caparaó, em 1961, e mesmo na época de sua ampliação, em 1997, não haviam pessoas indígenas vivendo dentro de seus limites e nem na região, conforme informa o ICMBio.
Recursos naturais são preocupação com presença de indígenas
Segundo informações entre moradores da região, que nunca foram ouvidos e nem têm conhecimento sobre como está a situação, por volta de 2009 e 2010, a área contou com a presença de uma família de Guaranis, composta de duas idosas, duas crianças, um jovem e um senhor. Pessoas que, inclusive, receberam ajuda de moradores vizinhos, porque eles não tinham como produzir nada, já que o lugar é muito alto, muito frio e de terra ácida. Com isso, precisavam caçar e retirar palmito da mata. Eles permaneceram no local por um tempo, mas depois desocuparam e foram embora, de volta a Aracruz.
O uso de recursos naturais do Parque é um ponto, segundo o diretor do Parna, Carlos Henrique Bernardes, que deixa a relação entre os indígenas e a administração da unidade de conservação conflituosa, diante do “dever institucional de proteger o Parque Nacional do Caparaó de quaisquer ameaças”. “E a simples presença dos indígenas Guarani e o uso que fazem dos recursos naturais, fauna e flora, dentro do Parque Nacional, por si só, já é motivo de conflito”, afirma.



No entanto, o diretor coloca que a direção tem prezado pelo diálogo e respeito, agindo sempre dentro da legalidade de suas atribuições institucionais e buscando uma convivência pacífica com os indígenas, até que a questão tenha uma resolução final. “Mas sem descuidar da proteção ambiental que nos cabe fazer cumprir na área do Parna Caparaó”, ressalta, Bernardes.
Presença de indígenas não é fixa, segundo moradores
A área reivindicada pelos indígenas teria sido doada por um empresário da área da comunicação social, mas moradores contam que ninguém está fixo no local. Durante o Carnaval, houve um movimento, justamente, quando os indígenas encontraram a Casa de Reza, construída por eles, incendiada. Contudo, a informação de moradores da região é que essas pessoas não permaneceram no local, ou seja, não haveria ninguém morando na área de forma permanente atualmente.
Por parte do ICMBio, conforme informações da direção do Parna Caparaó, desde o momento em que os indígenas chegaram na área, houve interlocução e contatos, visando a retirada deles. Especialmente, depois que o Instituto desapropriou e comprou a propriedade onde eles estão, conforme a escritura registrada em nome do ICMBio.
O diretor Carlos Henrique Bernardes coloca que, em seu entendimento, uma aldeia indígena, oficialmente demarcada, somente faz sentido se estiver inserida dentro de um território indígena – Terra Indígena ou Reserva Indígena – e teme pelas consequências. “Se esta Terra Indígena vier a se concretizar, dentro do Parque Nacional do Caparaó, independentemente das dimensões que venha a ter, teremos, como impactos ao Parque, diretos ou potenciais, a caça de animais silvestres, corte de palmito juçara, desmate e corte de árvores nativas, lixo, contaminação, incêndios florestais, introdução de espécies domésticas e exóticas, entre outros”, afirma, diante do fato de não haver qualquer estrutura nem mesmo sanitária no local. “E vários dos impactos citados já foram constatados em relatórios, inclusive com registros fotográficos, sendo que já houve autuação (multa) de um indígena Guarani por caça dentro do Parque Nacional”, completa.



Parna Caparaó é o único Parque Nacional no ES
Bernardes coloca que, conforme informações de outros servidores do Parque e moradores da região, além da análise de relatórios, constatação pessoal nas duas vezes em que esteve no local e à luz da legislação, considera incompatível, legal e ambientalmente, a presença de indígenas Guarani residindo e utilizando os recursos naturais no Parque Nacional do Caparaó.
De acordo com ele, Unidades de Conservação (UC) são parte importante da agenda ambiental brasileira e do mundo, além de integrarem a política pública nacional no que tange ao ordenamento e desenvolvimento sustentável. Logo, proteger as UC’s de quaisquer ameaças é o que a sociedade espera do órgão ambiental responsável pela sua gestão e proteção. “E ainda temos a questão da visitação e turismo que faz dessa categoria de UC um importante polo fomentador de negócios sustentáveis, gerando emprego e renda para expressiva parte da população regional”, enfatiza. “Destacando que o Parna Caparaó é o único Parque Nacional no Espírito Santo e que pode estar ameaçado, na sua porção capixaba, com a perda de território e a degradação de sua fauna, flora e recursos naturais”, finaliza.