O novo coronavírus mudou a forma como lidamos com o outro, alterou nossa rotina e jogou, no dia a dia, o peso do medo da contaminação. Entre altos e baixos, mais e menos casos, a doença caminha sorrateiramente fazendo novas vítimas. Se por um lado, há quem pense que o pior já passou, os números mostram que ainda há uma dura caminhada pela frente.
Há mais de 11 mil contaminações ativas no Espírito Santo. Para dar uma ideia de como esse número é alto, é como se todos os moradores de uma cidade como Rio Novo do Sul estivessem doentes, ou quase metade da população de Venda Nova do Imigrante precisasse, ao mesmo tempo, de atendimento médico.
Novos protocolos de medicamentos têm ajudado nos casos mais graves, e os profissionais da saúde, mesmo esgotados após meses de batalha, continuam bravamente na linha de frente. A médica infectologista Patricia Vivyanne é uma das que lutam, diariamente, pela vida de seus pacientes. Em entrevista ao AQUINOTICIAS.COM, ela fala sobre o aumento de casos, as sequelas da doença, as novas terapias, a dor da perda de colegas para o vírus e como é preciso manter a prevenção. Confira!
AQUINOTICIAS.COM – Na sua opinião, já estamos na segunda onda?
Patricia Vivyanne – Sabemos que é possível que a segunda onda aconteça porque temos visto essa situação em outros países. No Brasil, precisamos, claro, do posicionamento dos órgãos oficiais. Mas o que temos observado é um aumento muito grande de pacientes suspeitos e também no número de pacientes internados. Leitos que tinham sido fechados em enfermarias nos hospitais onde trabalho, foram reativados para dar suporte ao aumento do número de casos.
Na sua opinião profissional, o que causou esse aumento de casos?
Vou falar como infectologista e o que vejo no comportamento das pessoas. Sabemos que ainda é uma doença que não tem vacina. Ela é de alta transmissibilidade e, como muitos ainda não pegaram e não têm imunidade, estão suscetíveis à doença. E como as pessoas não estão fazendo mais tanto distanciamento, não estão usando máscaras, acredito que era algo que iria acontecer. Temos visto muitas festas clandestinas e os eventos sociais voltaram. Atendemos muitos casos de pessoas que estavam em um evento e foram diagnosticadas, por exemplo. Então a alta de casos era possível e é o que está acontecendo agora.
As pessoas ainda resistem à prevenção…
Parece que as pessoas não acreditam. Quando atendemos um paciente ou um familiar de paciente com sintomas graves, ele fala ‘eu não imaginava que fosse acontecer comigo’. Damos o exemplo do HIV, a epidemia que não acabou. Vemos várias pessoas tendo comportamento de risco e não seguindo o que deveria ser feito. Nós, que estamos na linha de frente, vemos que a situação é séria. Antes, todos achavam que, por não estar entre a população de risco, não estava suscetível a ter um quadro grave. Mas hoje vemos pessoas que não tinham qualquer doença e que ficaram em estado grave ou até morreram. Temos que saber que a prevenção é importante e temos de nos prevenir até que tenhamos uma vacina.
Como foi o processo, para a senhora, como profissional de saúde, de estar no olho do furacão?
No início foi desesperador. No começo, tínhamos muitas perguntas e não havia respostas. E o que vivenciamos aqui no Sul do Espírito Santo foi vivido no país todo. Fiz residência no Emilio Ribas, em São Paulo e troco muitas experiências com eles. Então, a gente sente que não está sozinha, que a dúvida é de todos. Eu vi colega médico com a doença e indo a óbito com 48 anos. Hoje estamos mais acostumados, temos mais informações. Mas ainda é muito desgastante mental e fisicamente.
E agora, esse novo aumento de casos…
É uma situação complicada. Sou chefe de serviço e, se preciso de médicos para plantão, todos estão ocupados. Às vezes a gente precisa de um profissional e não consegue. O número de internações em UTI e enfermaria aumentou tanto no Sul do Estado que os médicos que estavam disponíveis já não estão mais.
Há muita dúvida sobre quando procurar ajuda médica. Existe um momento certo para buscar a ajuda de um profissional?
Quando a pessoa perceber que está com sintomas de Covid, já deve procurar assistência médica. Ela vai receber as orientações sobre os sinais de alerta e se deve voltar para uma nova consulta. Mesmo que a pessoa não sinta nada mais grave, às vezes, no exame clínico, o profissional vai identificar algo e poderá pedir exames complementares.
São muitas as manifestações da doença?
Há um leque de manifestações clínicas. Um paciente pode não ter sintoma nenhum e o outro pode ter uma dor no tórax, ou uma diarreia. Tem os que perdem olfato e paladar e outros com sintomas clássicos como febre, mal estar, coriza. Eu já atendi a um paciente que estava com sintomas clássicos de uma arbovirose, dengue ou chikungunya. No final, era Covid. E olha que o paciente tinha dois testes negativos. Conseguimos identificar porque a ausculta pulmonar estava alterada, pedi um raio X, que veio com uma imagem na base característica de coronavírus.
A senhora encontrou de pessoas que ignoraram os primeiros sintomas e o quadro se agravou?
Eu faço linha de frente na Unidade de Terapia Intensiva e transporte de paciente. Não faço linha de frente no primeiro atendimento. Mas ouvimos as histórias dos pacientes. Muitos não procuraram ajuda médica e, quando chegaram, estavam num estado tão grave que a gente não conseguiu fazer o tratamento adequado.
Há casos de reinfecção?
Sabemos que isso pode acontecer. A Covid é uma doença nova ainda, não sabemos muito sobre ela. Mas alguns estudos vão sendo liberados. Os pacientes que tiveram Covid e que tiveram algum sinal ou sintoma que seja sugestivo da doença, após três meses da primeira infecção, precisa ser reavaliado. Esse paciente tem de ser notificado e o caso será estudado para definir se há ou não reinfecção.
Há estudos sobre as sequelas?
Há casos de fibrose pulmonar, há pacientes que têm comprometimento físico por ficar muito tempo intubado, com sedação. Há a fadiga crônica pós-Covid, que é um cansaço. Há o comprometimento renal, com casos que recuperam outros não.
Muitos estão tomando a ivermectina preventivamente. Há algum estudo que mostra a eficácia desse fármaco?
Não há nada comprovando. Quem toma está tomando sem ter qualquer embasamento científico para isso. Na minha experiência, não tomei ivermectina ou cloroquina e não peguei a doença. Sempre tomos os cuidados preventivos, como manter distanciamento, lavar as mãos, não tocar na face sem higienizar as mãos. Se tivesse uma medicação para poder evitar, já teria sido divulgada. Até hoje, o que mostrou que faz a diferença é o uso do corticoide, mas não é para ir na farmácia comprar. É o uso com acompanhamento médico.
E quanto às vacinas?
É importante falar nisso, pois existe um movimento mundial contra a vacina. A vacina, no Brasil, só será liberada se passar por todas as fases de estudo e for liberada pela Anvisa. As vacinas estão na fase 3 do estudo, quando se avalia a eficácia. Há duas vacinas que estão sendo conduzidas pelo Instituto Butantan e Fiocruz, entidades muito sérias e que fazem de tudo para termos uma vacina segura e eficaz. Depois que essa fase passar, vem a produção. Vai demorar um tempinho para produzir e distribuir. O que pode acontecer é que teremos vacinas de laboratórios diferentes, provavelmente serão ministradas em duas doses. Quem tomar a primeira de um laboratório, tem de tomar a segunda do mesmo laboratório.
Na sua opinião, a vacina deve ser obrigatória?
O mais importante é informação, é orientar. Se eu oriento bem meu paciente, explico o motivo de determinada coisa, ele aceita.